“O Dia em que Deixaram de Caber no Meu Colo”

Uma carta sobre as pequenas despedidas que chegam disfarçadas de crescimento.



Meus filhos,

Vocês não se vão lembrar disto — e talvez seja isso que mais me marca.

Não foi um grande momento. Não houve celebração, nem marco importante, nem nada daqueles acontecimentos que os pais fotografam e guardam. Foi apenas mais uma noite igual a tantas: jantar, gargalhadas, qualquer coisa na televisão. E depois, um de vocês sentou-se no meu colo.


E, de repente… já não cabia.


Não propriamente. Joelhos a empurrar as minhas costelas, cotovelos por todo o lado — uma espécie de duelo entre a gravidade e a memória que tenho de vocês pequenos, encaixados perfeitamente contra mim.

Rimo-nos, mas naquele instante qualquer coisa mudou cá dentro.

Porque percebi, em silêncio e sem cerimónia, que aquele tinha sido o último colo.

E não vos disse nada.

O que é que eu podia dizer?

“Pronto, está feito, acabou-se o colo”?


Por isso fiquei mais um bocadinho.

Ouvi o que me estavam a contar — uma história da escola, um comentário sobre futebol, uma parvoíce entre irmãos — e fingi, por mais uns segundos, que nada tinha mudado.


Mas mais tarde, quando a casa finalmente se calou, sentei-me no mesmo sofá e pensei em como o tempo avança em silêncio. Num momento levamos-vos ao colo para todo o lado; no seguinte, já caminham à nossa frente sem darem por isso.


Sem anúncio.

Sem aviso.

Apenas uma passagem discreta entre o que era e o que passou a ser.


E, meus filhos… esta é a parte bonita e dolorosa de ser vosso pai.

A vida é feita destas pequenas despedidas.

Nunca sabemos qual é a “última vez” até ela ter passado.

A última vez que fechei o vosso casaco.

A última história antes de dormir.

A última vez que pediram ajuda para algo que, de repente, já sabem fazer.


Só percebemos depois, quando o gesto deixa de acontecer.


Mas aquele momento ensinou-me uma coisa:


Cada vez que deixam de precisar de algo meu — do meu colo, da minha mão, dos meus conselhos — abrem espaço para uma nova versão da nossa relação. Uma nova forma de eu ser vosso pai.


Quando eram pequenos, o amor era físico — pegar, embalar, acalmar.

Depois o amor tornou-se proteção — capacetes, cintos de segurança, o eterno “tem cuidado”.

Agora, o amor é confiança — deixo-vos correr, cair, aprender, e fico ali por perto, só o suficiente para vos amparar se precisarem.


Nessa noite, perceber que já não cabiam no meu colo doeu um bocadinho.

Mas também me encheu de orgulho — porque é assim que tem de ser.

O crescimento puxa-nos para a frente — a vocês e a mim.


E quando um dia lerem isto — provavelmente já mais altos do que eu — quero que saibam uma coisa:

Eu vejo todas as vossas versões.



Os que cabiam nos meus braços.

Os que faziam perguntas sem fim.

E os que agora me respondem com ironia.

Nenhuma desaparece.

Vivem todas aqui dentro — como fotogramas antigos: gastos, sim, mas permanentes.


O meu colo pode já não chegar.


Mas os meus braços nunca esqueceram o caminho à vossa volta.


— Pai

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